Extravio de bagagens - O que você precisa saber?

Em decisão recente, o STF alterou seu entendimento de mais de 20 anos e limitou o valor da indenização em caso de extravio de bagagem. Saiba como evitar que essa mudança afete você.

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Sobre o informativo:

Se a você interessa mais a parte prática, ou seja, a "dica" jurídica que poderá te ajudar, pule direto para a Terceira Seção, "Conteúdo Jurídico". O conteúdo relevante está lá e independe das seções anteriores.

Se a você interessa o "Conteúdo Jurídico" e, além disso, entender situações onde possa ser útil de forma objetiva, pule para a Segunda Seção, "Estudo de caso".

Por fim, se você não tem pressa, tem paciência para algumas divagações e gostaria de entender melhor as ideias mais "filosóficas" que justificaram a elaboração desse conteúdo, leia desde a Primeira Seção, "Pensamentos do Autor".

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Pensamentos do Autor
O elo mais fraco: presunções na Justiça

Eu sempre fui considerado um bom aluno no meu primeiro colégio. Apesar de arrumar brigas e desrespeitar as normas escolares com mais frequência do que deveria, isso era compensado por ótimas notas, bom desempenho nos esportes e muito respeito para com os professores.

Na quinta série um aluno novo entrou no colégio e, com menos de três meses, já tinha arranjado confusão com pelo menos três pessoas. Era a minha vez. No meio do “recreio” tivemos uma briga bonita, apartada por um inspetor que nos levou até a diretoria - eu sob os aplausos dos meus amigos, ele sob a hostilidade do bedel, que já o havia separado em outras situações. Resultado: uma suspensão de dois dias para mim, o aluno querido por todos, inclusive pela diretora, e de duas semanas para ele, o arruaceiro do colégio.

O caso em questão é um bom exemplo de um instituto jurídico muito utilizado, com especial destaque para o direito do consumidor e para o direito do trabalho: a presunção. Presumir, nesse contexto, significa considerar como ocorrida determinada hipótese, cabendo à parte desfavorecida pela presunção comprovar que o resultado foi diverso. No caso da minha briga, essa presunção decorreu do meu histórico e, principalmente, do histórico do meu colega: ele era o culpado. No caso do direito, a presunção geralmente decorre de uma norma jurídica.

A presunção é baseada na seguinte cadeia lógica: quem alega deve provar, mas muitas vezes não é possível àquela pessoa apresentar a prova, então cabe à outra parte (empresa, no caso de consumidores) provar que o alegado é falso.

É bastante difundida a ideia de que a justiça privilegia o consumidor em ações contra grandes empresas. Isso não deveria ser uma surpresa: além do sentimento geral de que as grandes empresas têm grandes lucros e não respeitam o consumidor como deveriam - sentimento esse muitas vezes compartilhado por juízes, que também sofrem com tais empresas -, a própria lei determina que, em juízo, a defesa deva ser facilitada - o que resulta, por ex., na inversão do ônus da prova. Isso decorre da presunção de que o consumidor, muitas vezes, está em posição de desvantagem (hipossuficiência), e isso deve ser reequilibrado para uma discussão “justa”.

Na teoria essas presunções são perfeitas, porque decorrem de uma análise abstrata de pessoas (consumidores e empresas) racionais e moralmente corretas, com condutas ajustadas às demais normais jurídicas. Na prática, essas pessoas não existem. Além do mau uso dessas presunções – mentiras contadas judicialmente por quem quer se aproveitar -, existe outro grave problema (o motivo desse informativo): a falta de proteção patrimonial decorrente dessa presunção.

Explica-se: acreditando não precisarem provar nada, muitas pessoas simplesmente não têm provas daquilo que alegam. Ocasionalmente, porém, essas presunções deixam de ser aplicadas ou são invertidas em situações específicas, e os consumidores que com elas contavam perdem completamente suas bases. As presunções iniciais podem estar erradas.

Isso já aconteceu, por ex., em relação à negativação de nomes no SPC/Serasa. A Justiça, depois de decidir muitas vezes favoravelmente aos consumidores com base em presunções de que as afirmações sobre negativações eram verdadeiras, passou a exigir dos consumidores que provassem, com documentos, a negativação que alegavam terem sofrido (momento “Mãe Diná” sobre o assunto: em breve a Justiça também exigirá prova do dano moral originado dessa situação). No caso da minha briga, por ex., eu fui o culpado. Se uma testemunha narrasse o acontecido, eu teria sido suspenso por duas semanas no lugar de meu colega.

A bola da vez é o extravio de bagagens em viagens internacionais, e por isso convidei um especialista no assunto para apresentar o tema nesse informativo - André Melo de Araújo.

Entenda sobre esse assunto que mudou completamente de cenário em 2017. Atualmente há uma exposição para a qual os consumidores não estão preparados. Conheça-a, mitigue seus riscos e aumente o nível de proteção de sua gestão patrimonial.

Não seja o elo fraco da cadeia.

Estudo de caso
Pesadelo não indenizável

Victor e Vitória (nomes fictícios, história real), residentes no Rio de Janeiro, viajaram à Miami, retornando à capital carioca em outubro de 2014. Ao chegarem ao aeroporto, foram surpreendidos com a notícia de que duas de suas malas, com inúmeras compras feitas no exterior, haviam sido extraviadas. Perda total: R$ 47.934,88 (U$ 14.979,65) - devidamente comprovada pelas notas fiscais apresentadas - e alegria que teriam ao presentearem pessoas queridas.

Após mais de quatro meses tentando resolver amigavelmente o assunto e tendo a empresa se disposto a pagar míseros 6% (!) do valor perdido (ou seja, R$ 2.900,00), os passageiros não viram outra opção e ajuizaram uma ação de cobrança. A sentença, proferida em 29/11/2016, foi perfeita: além da condenação à devolução integral das bagagens extraviadas, condenou a empresa ao pagamento de danos morais - R$ 10.000,00. O episódio poderia ser, enfim, superado.

Infelizmente, as coisas não caminham como se espera. Imprevisibilidade é uma das facetas mais contundentes de nossas vidas, e uma exposição que permanecia "abaixo da superfície" emergiu: o STF, ao julgar um caso semelhante ao de nossos passageiros, limitou a indenização por extravio de bagagem a 1.131 DES (Direitos Especiais de Saque) - aproximadamente R$ 5.000,00, na cotação atual -, conforme previsto na Convenção Internacional de Varsóvia. Com base em uma presunção (que o referido valor seria suficiente para indenizar em montante satisfatório os passageiros sem prejudicar a saúde financeira das companhias de aviação), o STF alterou sua jurisprudência de mais de 20 anos.

Por consequência, no julgamento do recurso interposto pela empresa de aviação no caso de nossos autores, a sentença irretocável foi modificada: na ausência de qualquer declaração entregue à empresa, os passageiros receberiam apenas R$ 8.885,60 pelos R$ 47.934,88 que a empresa extraviara. Pela ausência de um simples documento, o pesadelo sofrido não seria totalmente indenizável.

Conteúdo Jurídico
Extravio de bagagens: "Declaração Especial de Valor de Bagagem"

por André Melo

O modelo de “Declaração Especial de Valor de Bagagem” é um documento que permite declarar o valor da bagagem despachada e, assim, pleitear o aumento da indenização no caso de extravio ou violação da bagagem. Você deve fornecer uma via à transportadora e ficar com uma em sua posse. Caso a transportadora se recuse a aceitar, sugerimos que converse com ao menos dois passageiros do mesmo voo (sem relação de afeto com você) para que sejam testemunhas da situação, consignando seus dados na parte inferior da declaração. Três comentários adicionais:

  • A empresa pode cobrar por tais declarações, e não há uma regulação definida sobre o assunto. A LATAM, por ex., não cobra nada, mas pode exigir que os bens sejam despachados via carga (item 4.6 do Contrato de Transporte Aéreo da empresa - acessado em 29/08/2017). A GOL, por sua vez, cobra como tarifa 35% do valor declarado.
  • Muitas companhias possuem modelos próprios de declaração. Sugerimos que adotem esses modelos mas, por precaução, façam também a própria declaração, com a presença de testemunhas. É melhor pecar pelo excesso de diligência do que pela falta.
  • Chegue mais cedo para evitar problemas. As companhias, em geral, não são muito claras quanto aos procedimentos relacionados a essa declaração. Considere a possibilidade de chegar ao menos 4h antes do horário da decolagem em caso de voos internacionais e 2h antes em caso de voos nacionais, para que haja alguma margem em caso de problemas com as companhias.

Até maio o judiciário possuía o entendimento consolidado sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de transporte aéreo internacional. Contudo, o STF decidiu, em recurso com efeitos sobre todas os outros Tribunais de Justiça, que aos voos internacionais se aplicam as Convenções Internacionais, e esse entendimento irá prevalecer. O que muda para o consumidor?

  • Anteriormente, se sua mala fosse extraviada ou danificada, era possível pleitear a reparação integral de todo o prejuízo. Agora, ausente qualquer declaração, o valor se limita a 1.131 DES (Direitos Especiais de Saque), ou seja, cerca de R$ 5.000,00. Assim, mesmo que a empresa extravie uma mala com roupas, acessórios e eletrônicos cujos valores totais cheguem a em 50 mil reais, se o passageiro não possuir uma Declaração Especial de Valor aceita pela companhia, o valor máximo que ela deverá cobrir será de aproximadamente R$ 5.000,00.
  • O prazo para ajuizamento desse tipo de ação, anteriormente, era de 5 anos a contar da ocorrência do prejuízo. Com base no novo entendimento, esse prazo será de apenas dois anos.

Devemos ressaltar que, na hipótese de o passageiro possuir a “Declaração Especial de Valor”, informar exatamente o valor transportado em sua bagagem e tê-la extraviada, acreditamos que a empresa deverá ser responsabilizada a indenizá-lo no montante integral (com base na própria Convenção que serviu de parâmetro para o STF). Essa hipótese, contudo, ainda não foi apreciada pelos tribunais, e não é possível afirmar com absoluta certeza se será aceita. A depender da situação, considere a possibilidade de contratar um seguro especial para a bagagem - seguros viagens também podem possuir essa facilidade.

É importante ressaltar que, de acordo com as decisões do STF sobre o assunto, as Convenções de Varsóvia e Montreal são aplicáveis a voos internacionais e somente em relação à mensuração do dano material, de modo que, em tese, o Código de Defesa do Consumidor ainda se aplica no transporte doméstico, com a reparação integral dos danos materiais (visto que a Constituição Federal só trata da aplicação de convenção internacional para transportes aéreos internacionais). Contudo, devemos ressaltar que existe alguma possibilidade não desprezível de os Tribunais pretenderem aplicar as mesmas "presunções" a voos domésticos.

Em resumo:

  • Tenha sempre em mãos um modelo próprio de "Declaração Especial de Valor de Bagagem" em caso de viagens nacionais ou internacionais
  • Procure se informar sobre declarações, procedimentos e taxas de cada companhia de voo, e chegue mais cedo aos aeroportos para resolver essa questão
  • Considere a possibilidade de contratar um seguro bagagem (ou seguro viagem) a depender do montante em questão

Remetendo-nos ao Informativo n.º 05:

"Uma gestão patrimonial eficiente pressupõe que, em algum grau, você esteja preparado para aquilo que você não pode estar preparado."

Sempre que for viajar com objetos de valor tenha em mãos a declaração aqui apresentada. Seguindo essa simples orientação você estará melhor protegido em caso de problemas com bagagens e, esperamos, poderá aproveitar suas viagens com mais tranquilidade. Proteja-se contra aquilo que você não pode controlar e não confie em presunções - elas podem se virar contra você.

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